Sentir

Fez seu primeiro corte
Não sentiu nada
Olhou pela janela o dia cinza daquela tarde
Sozinha em casa
Emudeceu
Esperava uma dor no peito
Esperava chorar
Mas não sentiu nada
Outro corte
Também sem efeito
Mas precisava sentir!
Desejava arduamente sentir
Tinha que arder, machucar, ferir
Mais outro corte
E outro e outro e outro e outro e outro
E outro e mais outro
Cortava-se fora de seu próprio corpo
Não viu sangue escorrer pelos braços
Não sentiu dor
Não chorou
Não pensou
Não parou
Não viu a porta do banheiro se abrir
Não olhou para a mão que se lhe estendeu
Não fitou o rosto que a salvou
Não soube para onde foi
Deitada na maca
Feridas tratadas
Parecia que regressara de um transe
Aos seus pés, seu salvador
No vazio da janela, a solidão
Suspirou profundo
Depois de muito, muito tempo
Ressoou em seus ouvidos a vaga lembrança de uma canção

"Is something wrong, she said
Of course, there is
You're still alive, she said
And do I deserve to be?
(Seus olhos se encheram d'água)
Is not the question
And if so, if so
Who answer? Who answer?
I oh, I'm still alive
I oh, I'm still alive"

Foi, então, que se recordou de como era sentir